quinta-feira, 31 de maio de 2012

DOPS 1969/70


Vim correndo ao Rio em 1968, dezembro, no dia seguinte de minha pós-graduação em psiquiatria, na Clínica Pinel – Porto Alegre, RS. A situação política para mim não estava boa por lá e havia um professor de Psiquiatria, que teve que me dar a mais alta nota de nossa turma que me chamava de “esquizofrênica crônica, sem cura”. Logo, eu não teria pacientes em Porto Alegre. Vim para o Rio e caí do século XX da psiquiatria para o século XVII onde ainda estamos pelo que vejo. Dei banho. Mas o DOPS me acompanhou. Fui chamada para falar com o famoso Dr. Delegado do DOPS, com quem acho que todas as pessoas inteligentes de minha geração carioca tiveram que falar. Comigo foi só (?) tortura moral. Um amigo meu, já morto, foi tortura pra valer. Eu tinha que ir toda a semana à Rua do Riachuelo para responder a perguntas cretinas como:
Dr.: a Sra. pertence ao PCB?
Eu: nem sei o que isto. Sou psiquiatra.
Dr.: quem morou no seu apartamento antes da Sra.? (inacreditável!!!)
Eu: O Sr. devia perguntar ao dono do apartamento. Eu não tenho a menor ideia. Acabo de chegar do Rio Grande.
Dr. : eu sei
Eu: O senhor me chamou por que?
Dr.: a Sra. roubou a Casa Dr. Eiras?
Eu: Como?
Dr. É, a Casa Dr. Eiras foi assaltada (mentira, claro) e pergunto se foi a Sra.
Eu: Eu não eu faria isto iria roubar um paciente?
Dr.: a Sra. trafica drogas? (inacreditável!!! Nem tinha entrado na moda o trafico de drogas, meu Deus).
Bem, as perguntas eram deste calibre, durante meses. Lá eu ficava calma. Alta, loira, jovem. Não me botou nem o tradicional facho de luz na cara. Só me assustava com os guardinhas com as metralhadoras de 2º Guerra Mundial. Eu passava por ele, bela e loura e pedia gentilmente para virarem a arma pro outro lado, pois eu tinha medo de armas. Ah. Ah. Quando pichava ruas no Rio Grande do Sul, nunca tive. Vá lá. Um dia ele me convidou para ir vermos o Manicômio Judiciário que foi chefiado depois por um amigo meu que admiro muito, um psicanalista. Disse-lhe que podíamos marcar uma ida lá, sim, claro (com medo de lá ficar).
 “Depois agente combina” disse eu.
Dr.: “E depois a gente pode almoçar juntos”. (quem, pensei eu?) - Claro doutor. - Gostei muito de você, não precisa me chamar de doutor.
De repente ouço um grito lá de dentro um homem: “me soltem que sou fóbico”, repetidas vezes. -Isto foi uns dias depois do “suicídio” do Wladimir Herzog, em S. Paulo, na cadeia. –
Doutor, já que vamos ser amigos, quero ajuda-lo numa coisa, posso? -- Claro, minha filha. (penso, minha filha é o cacete) - o Sr. está ouvindo este cara gritando? -Estou. - Pois é. Fóbico é o tipo de paciente que mais se suicida. (há, há, há). Se eu fosse o senhor soltava ele. O senhor. está vendo que o comandante do 2º Exercito está passando não é? Como explicar um suicídio na cadeia? - Meu Deus, isto é verdade? - Com certeza. Solta o rapaz. Foi o que ele fez pelo que me contou na semana seguinte quando me deu seu cartão de visitas, em agradecimento pela sugestão. - “Qualquer coisa me telefona”. - Obrigada. Ponho na carteira o cartão. Nunca mais me chamou. Em compensação, esta é outra história, um dia, um policial me segurou no transito, não me lembro porque ou melhor lembro mas como disse é outra história. “tirei o cartão do delegado e mostrei. - o senhor conhece esse delegado ? Tempos horríveis, quem não conhecia? “claro, claro”. Digo-lhe – “sou amante dele”. - “Pode ir embora madame, me desculpa”. Lá fui no meu Karmann Ghia azul. Mal sabia que o delegado já tinha colocado um tal de Ronaldo no meu pé. Um “estudante” de “Psicologia da Puc”. Safado, elemento da Cia. Esta é outra estória engraçada.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

A "MORTE" NA PRAIA


Estou em Muriqui, RJ, há mais ou menos 40 anos. Tinha um barquinho. Um menino chega gritando a seu pai “papai, tem uma moça passando mal na praia”. Papai diz que não pode atender. Eu digo que sou médica e o menino me leva.

O menino fica petrificado e eu pensativa. Ele vibra. “olha papai, a moça vai atender a “morta”. Feliz, me levou até uma moça de uns vinte anos deitada, como diria Vinicius de Moraes em seu poema Balada da Moça do Miramar: “... Nua, morta, deslumbrada / Uma moça mira o mar”. Bonito né, quando se sabe pelo cheiro que é apenas um transe histérico.

Tinha aprendido que uma tapona tira a pessoa do transe, mas se eu fizesse isto, ia apanhar de muita gente. Usando o estilo histérico mandei todo mundo, família, amigos, curiosos a sair pois ela precisava respirar. Que nada, não queria que ouvissem o que eu diria para tirá-la do “transe”.

Ajoelhei do lado direito dela, cheguei perto do ouvido e disse baixinho “tu estás tendo uma crise, mas tua família já chamou o camburão da polícia para te levar para o IML, lá vão te cortar toda com o bisturi e aí acabar. “Vão te enterrar”.

A moça deu um pulo que eu não sabia ser possível, de deitada passou a ficar ereta de pé, num segundo. Palmas gerais. O menino vibrava e gritava “a moça ressuscitou a outra”. O pai não gostou. A família se junta e diz o que eu fizera para ressuscitá-la. Eu disse que isto era entre nós, dei-lhe um Valium 10 mg e sugeri que ela procurasse um bom pai ou mãe de Santo, para se vestir de branco. Ficaria curada. “De que?” “Dos transes. Tem que baixar o santo dela, toda a semana. “Mas como a Senhora que é médica manda para o candomblé? “É porque os médicos da Terra levam 20 anos para curar isto, se é que conseguem. Candomblé cura logo”.

É verdade se não fossem os pais e mães de santo capazes de ler o pensamento como um bom psicanalista deveria fazer os psiquiatras não saberiam o que fazer com os histéricos. A não ser que como quando cheguei de Porto Alegre para trabalhar no IPASE e na Biometria Médica da Guanabara, chamassem os histéricos da Zona Sul de Epiléticos e os médicos davam licença médica e os pobre da Zona Norte, eram histéricos mesmo e tinham que trabalhar. O histérico é muito maltratado pela classe médica em geral. Mas temos que lembrar que não fosse a relação de uma histérica com Freud, não teríamos a Psicanálise.

AO OBAMA (qual deles? não sei)


Desde os 7 anos de idade, meu 1º ano de escola, sei que a África passa fome. Como você precisou estudar em Harvard para saber disto? Como você sabe que a FAO tem 3 bilhões de dólares, há três anos e só agora no ano de sua eleição, você lembra de pedir para mandarem este dinheiro para lá. Que atraso!!! Ou um nome que não posso usar, pois dá cadeia. Na Bahia sabem.

terça-feira, 29 de maio de 2012

MORDO MIA

Na próxima reencadernação (reencarnação) , vou nascer freira e quero ser babá do Papa. Por favor rezem por mim. !!

Graciliano está vivo!!!


Pessoal,

Desculpem o atraso das noticias porque cheguei muito bolada com a Morte do Graciliano. Cheguei em São Paulo feliz, na 6ª feira passada com o livro “Memorias do Cárcere”, do Graciliano Ramos , e com sua assinatura psicografada. Me disseram lá que ele já tinha morrido. (Rá, rá, rá). Baixou o Santo dele em minha homenagem com a seguinte frase “Para minha leitora querida um grande abraço do Além”. Graciliano.

Os: Feira do Livro de Ribeirão Preto, a 2º do Brasil e a 4º no Mundo Inteiro, em vendagem. Não é pouca porcaria, não.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

PSICOPATIA


Amiga – primeiro queria te dizer que morro de inveja de quem estuda Química ou agora Genética. O DNA foi-me mostrado em 1960 em uma aula de Bioquímica em que o professor sisudo entrou na sala aos pulos dizendo “descobriram o DNA”. E nós todos, 108 babacas olhando para ele e não entendendo nada.

Eu trabalhava num hospício do século XXI, século XXI mesmo!!! chamado Clínica Pinel e fiquei pensando: Oba vão “achar a cura da esquizofrenia”. Que nada, ninguém quer cura de nada, como sabemos. Como somos irmãs de Prozac (pede o genérico que é mais barato). Podemos nos entender bem. Temos o mesmo tipo de personalidade também, o que é ótimo. Como sou chamada de empírica, pois observo tudo o que vejo acho que sei bastante até agora. Tenho 71 anos e 53 anos de loucura dos outros e 18 anos da minha. Vamos ao Psicopata.

O Psicopata NÃO sofre. Acho que quando ele iria sofrer, o superego dele acende uma luz vermelha e ele faz outra merda. Vamos pegar um homicida, que é um psicopata. Não é doente. Se não ficar preso, matará outro, outro, outro. Tive meu 1º paciente um esquizofrênico mais possível criminoso.  O paciente era paranoide, achava que a mulher o traia e foi colocado pela justiça “preso”, na Clínica Pinel, aos meus cuidados. São raros os casos assim. Por exemplo, o cara que matou na Europa 60 e tantas pessoas, foi declarado esquizofrênico por 13 psiquiatras. Eu particularmente acho que isto é a absolvição de “Hitler” – coitadinho era um “doente” mental.

O psicopata faz os outros sofrerem – é um criminoso. O meu possível criminoso já citado, quando chegava na 6ª feira em que os pacientes podiam ir para casa, na consulta ele conversava comigo legal. No minuto 50 (naquela época eu atendia 50 minutos) eu perguntava “e sua mulher?”. Ele começava a berrar que todo quarteirão ouvia. Só parava quando eu lhe dizia que então não podia passar o fim de semana em casa. “Obrigada, Dra. Senão vou ter que matar aquela p..” ele sabia o que poderia fazer. Não era um psicopata completo. Se fosse, ele não diria as palavras fiais que me disse todas as 6ª feiras de meus dois anos de pós-graduação. Diria por exemplo: “estou achando que ela me traiu”. “Bobagem minha”. “Estava louco”. Se eu fosse boba entrava na dele, eu lhe dava saída e ele provavelmente a mataria. Esse é o psicopata completo, nasce assim, vive assim, e morre com um tiro de outro psicopata.

As pessoas em geral preferem achar que as condições sociais é que levam as pessoas a cometerem crimes. Não acredito nisto. Conheci pessoas de todas as escalas sociais e sei que há bandidos nas classes A, B, C, D e F (que acabo de fundar).

O “meio” não faz o homem. A genética e o uso que cada pessoa faz do que recebeu desta genética determinam como será desde o nascimento até o futuro. Chamam-me de Lombrosiana. Tudo bem. São maneiras de ver as coisas - o dono de um armazém que vende cachaça, açúcar e outros “entorpecentes” não é julgado criminoso só porque vende coisas mortais tanto quanto ou mais que cocaína ou crack, mas a sociedade ainda acha que as “comidas, entorpecentes, remédios entorpecentes”, as ditas drogas legais não são criminalizadas.

A venda de cocaína, por exemplo, é criminalizada. É uma medida social. Todas elas podem ser modificadas. Não faço apologia das drogas ilegais. Só que as drogas legais matam muito mais gente que as ilegais, no mundo todo. Não tomo posição nisto porque só posso votar por mim e não por seis bilhões de pessoas do globo.

Outra observação minha. Nunca vi um psicopata me procurar para tratamento – estilo “Dra. estou aqui porque dei um golpe no BNDES”. Só viria se tivesse achado que poderia ter roubado mais. Mas nunca vi. Espero ter te ajudado ou começado um dialogo contigo.

Obrigada por me fazer pensar e trabalhar. Ambas as coisas me dão muito prazer. É um prazer escrever para uma pessoa jovem interessada em “coisas de adultos”. Obrigada mesmo. Um beijo. Carmem.

OS: Se precisar do Prozac não deixa de tomá-lo please.

domingo, 13 de maio de 2012

Vivências - Supermercado II


Volto ao supermercado na semana seguinte. Este é pequeno e resolvi que neste dia eu ia enlouquecer alguém. Não é sempre que se pode ser fina. Chega uma senhora e me diz:

— Hoje é meu aniversário.

— Parabéns. Seja muito feliz. Com licença, tenho pressa para fazer minhas compras.

Sábado à tarde, calor cansaço. Quero a minha cama e ver meu gato, que já deveria ter tomado vinte banhos. Eu tenho um gato louco. É doido por banho. E daí, meu senhor? Qual é o problema? Loucura é só para gente grande? Não, gato tem direito a ser louco como nós e este, me tira da cama de hora em hora, à noite, para tomar banho. Eu é que sou louca? Não sei.

Também não me dou ao trabalho de saber se sou ou não. Sou feliz, digo o que preciso, faço o que quero. Pago minha luz, compro anéis. Ninguém tem nada a ver com isto. Voltando: achou que eu tenho fuga de ideias, né? É ruim, é... Tenho, não! Estou de volta já ao supermercado onde a senhora aniversariante me seguiu e então pensei qual Garfield: hoje vou enlouquecer alguém. E tirei uma hora da minha vida para, sadicamente, enlouquecer duas pessoas. A senhora me aguarda e diz:

— Eu queria comemorar com um vinho bom, o Chateauneuf du Pape.

— Ótimo, digo eu. Ela segue.

— Mas tem uma garrafa com o rótulo dourado e uma com o rótulo prateado. A senhora conhece?

— Conheço. Quando eu era rica, tomava só este vinho, agora tomo Miolo.

— A senhora já foi rica?

— Fui!

— O que aconteceu?

— Uma sócia me roubou.

— Credo!

— É isto acontece com pessoas honestas.

— Mas vamos voltar ao vinho: a senhora se lembra se tomava do rótulo dourado ou prateado?

 — Não me lembro, faz muitos anos isto.

— Então vou chamar o enólogo da casa. "Tá certo" penso eu. Imagine se uma filial tão pequena tem enólogo de plantão! E para espanto meu, tinha.

— O senhor sabe qual é o melhor dos dois, o dourado ou o prateado? — isto depois de contar toda a estória. O enólogo.

— Os dois são iguais. Eu, de sacanagem digo.

— Mas os engarrafadores são diferentes...

— Não tem problema, diz o enólogo.

— Não sei meu senhor, digo eu. Eu nasci num lugar de vinho, Garibaldi, o senhor conhece?

— Não.

— Carlos Barbosa, que tem um time de futsal, já ouviu falar?

— Ah, conheço! Diz o enólogo.

— Pois bem, continuei: Eu, em criança, amassava junto com os garotos a uva com os pés. Havia uma fantasia de que pé de criança é limpo. É mentira. No interior, a gente andava descalço, portanto os pés estavam sujos. Por isso falo do engarrafador. O enólogo queria me engolir. Pensei que estava perfeito o meu dia. Estava enlouquecendo dois ao mesmo tempo.

— Acho que o engarrafador é importante porque depois de amassarmos a uva (cá para nós, era só para uso da casa, primeiro vinho, suco de uva, o enólogo não aprendeu isto, tem só mais ou menos 30 anos e cara de urbano), ela ia para os tonéis num galpão ao qual todo mundo tinha acesso. Volto-me para a senhora e digo então.

— Estou me lembrando... Se bem me conheço, eu tomava o vinho de rótulo dourado. Sabe por quê? Eu não teria tomado de rótulo prateado pois acho prata coisa de pobre. É, sim. Tenho quase certeza.

— Então vou levar o de rótulo dourado.

— Isto mesmo, digo eu.

— Mas é mais caro, diz ela.

— Então viu, né? (o enólogo queria me matar), se é mais caro é porque é melhor. Leve, sim.

 — Vou pensar. R$ 126,00 é muito dinheiro para arriscar.

— Bobagem, a senhora não vai fazer 65 anos de novo. (isto é pura maldade, é?) E nem sabe se vai ter dinheiro no ano que vem.

— É, nem sei se vou estar viva, né?

— Isto aí. Senti-me mal com meu sadismo, vou ser sincera. Vai ser FDP assim no inferno! O que diria o senhor Freud vendo seus ensinamentos usados desta maneira! Volta a senhora e me diz.

— Eu vou sair para pensar melhor. Saiu. Fui buscá-la. Eu consegui, ah ah ah! Mas não consegui deixá-la sair. Fui atrás dela e lhe disse.

— Sabe de uma coisa? Se eu fosse a senhora, comprava queijo francês A Sra. gosta dos queijos fedorentos?

— Gosto.

— Então compre R$ 100,00 reais de queijo e um miolo. Pense só em si mesma, nos dias bons que já teve e noutros que ainda virão, com certeza. Ela foi, pegou o Miolo e o queijo, me agradeceu, teve muito prazer em me conhecer. E foi.

Um mês depois, o enólogo da casa dá de cara comigo e diz.

— A senhora, hein!

Moral da História: Eu também sei ser lacaniana, só que ajudo a pessoa a juntar seus cacos, antes de abandoná-las.