Escrevo sobre obesidade quando na verdade deveria escrever sobre varias substancias chamadas drogas.
Classifico as drogas em licitas e ilícitas. De antemão digo que as ilícitas são mais fáceis de tratar. Porque? É óbvio. As licitas estão no supermercado. Das licitas, vi na minha vida apenas quatro casos de vicio em água. Um morreu afogado por dentro e sei de uma outra que brevemente vai morrer por absoluto desinteresse da família. E cá entre nós, poucos médicos ou nenhum que encontrei ate agora mostrando um trabalho em Congressos no qual fale como se pode morrer por só tomar agua. Também não apresentei.
Os anoréticos não são levados em conta neste caso a que me refiro. Eu digo de pessoas que tomam de 10 a 20 litros de agua (somente agua) por dia. São casos raros mas como venho observando há 52 anos no trabalho psiquiátrico, pude ate agora ver 4 casos, portanto não se torna estatisticamente importante.
Voltando às drogas licitas – comida, fumo, álcool, medicamentos, as mais comuns, são de difícil tratamento . Requerem uma grande auto determinação do paciente que tem uma personalidade dependente (antiga classificação norte americana - “passivo dependente”), que foi deixada de lado e trocada por drogadição. Aquela tinha mais sentido. Quem é “dependente” pode depender de qualquer coisa – ervilha, uísque, chocolate, qualquer coisa vendável em supermercado ou farmácia. No caso só vou falar da obesidade que existe no mundo ocidental e cristão em que se desafia as pessoas a serem altas e magras sob pena de serem olhadas com nojo.
Obesidade sempre foi uma doença. Lembro que ao procurar um analista aqui no Rio de Janeiro, (para me tratar), estive com vários e quando cheguei à Dra. Marialzira Perestrello vi que era magra-gorda normal e lhe perguntei se fumava. Ela disse “não”. Disse-lhe que queria ficar com ela. Não faria analise com alguém dependente de comida ou fumo. Logo vamos deixar bem claro, o uso das drogas é apenas um sintoma de uma grave depressão. Você já viu alguém deixar de fumar e engordar loucamente?
A ansiedade que leva o dependente a procurar sua salvação da angustia está sempre numa coisa “fora de si mesmo”. Ele se sente uma “porcaria”. Ele não se basta, precisa de uma bengala. Ela procura a satisfação, num prazer que pode leva-lo à morte. Lembro de uma paciente obesa que tinha feito 20 anos de psicanálise e que um dia me procurou. A depressão não tinha sido tratada convenientemente. Quando ia comer um pedaço de bolo, o primeiro, não a satisfazia. O segundo também não e quando via tinha comido uma torta inteira e não estava satisfeita. Coisas do superego super-exigente. Era uma pessoa extremamente alegre, bem disposta, trabalhava bem. Ninguém diria que estava doente e muito menos deprimida. Ate os meus colegas quem estivera. Pelo que ela me contou suas analises anteriores ninguém nunca lhe perguntou se ela pensava em se matar. A compulsão da comida, doces principalmente, deixa paciente e terapeuta muita vezes burros quanto a entender o mecanismo “ vida X morte” que está implicado na dependência X depressão.
Quando vejo o meu amado Schumacher voltar às pistas eu sei o que ele quer. Morrer como Senna. Sei por experiência própria. Na mais profunda depressão eu tive um carro, marca SP2, que andava como o diabo. E minha “droga” era a velocidade. Fazia misérias e um dia voltando de Mangaratiba, estrada vazia e boa coloquei 160 km/h no carro. Passou uma fantasia “vou voar, que maravilha!!!!”, em seguida “posso morrer”. As duas coisas, prazer e morte, absolutamente juntas. Voar é o máximo. Ìcaro fez isto. Mas pode me matar. Depois julgando calmamente comigo mesma o fato eu comecei a pensar que podia ter estourado um pneu, mil coisas podiam acontecer e eu morrer quando meu intuito consciente era ter o prazer de “voar”. É muito bom. Dificilmente eu dava caronas quando eu ia fazer estas proezas. Então inconscientemente eu já sabia da possibilidade da morte. Como todas as drogas. Mas tinha analise bastante na minha cabeça para ver tudo num “instante” e parar (milionésimo de segundo, que podia ser fatal). Então para mim é fácil saber o que “meu” Schumacher está procurando. Ele e o resto. Podem achar, como outros já acharam. Não creio em “acidentes” nesta hora. Uma pessoa que come uma torta de 30 pedaços sabe o que vem depois. Não precisa ser medica. Diabetes, hipertensão.... o problema é que meus colegas “dietistas” que inventam sempre a “dieta do ano” não sabem que deveriam ter ao lado de seu consultório um terapeuta, um PSI. O paciente não precisa comer tanto porque o estomago ficou grande. É o contrario, o estomago ficou grande porque comia muito. E diminuir uma colher de arroz não é fácil. A pessoa precisa de alguém “fora” (de si) que lhe de um motivo e que a satisfaça. Que seja o Terapeuta mesmo, “uma colher de arroz”. Quando escuto de paciente que foi ao “dietista” e vêm com fórmula mágica e dizem “tenho que emagrecer 34 quilos”, eu sugiro ao paciente que esqueça os quilos, e que pense em perder uma grama. Se o paciente conseguir entender e fazer terá como dizia Melanie Klein (Psicanalista), um “momento depressivo”.
Isto é muito difícil para explicar psicanaliticamente, mas vou tentar aportuguesar. Digamos que o ego de uma pessoa, por angústia se divide em mil pedaços como a laranja se divide em gomos.
Daria um exemplo pratico - num milionésimo de segundo os vários gomos soltos de uma laranja se juntariam e formariam de novo uma laranja total. Enfim, é apenas isto o “momento depressivo”. Mas isto é Melanie Klein, não sou como um colega meu, famoso no mundo inteiro, que nunca citou suas fontes teóricas de conhecimento (Freud deve estar se mexendo na tumba). Enfim para os pragmáticos como eu, o individuo que deixa de comer um grão não precisa ser uma colher de arroz, deu um salto qualitativo dentro de seu esquema para o emagrecimento. Por isto eu não diria quilogramas. Quando sugiro caminhadas para os gordos, para começar com dez – vinte metros. É assim que faço comigo. Depois de alguém conseguir isto, ser aplaudido por um Terapeuta que sabe o que isto custa, em matéria de super exigência por parte do paciente, ele passa a ser aplaudido apesar de achar tudo muito pouco diante dos seus quilos. Mas o paciente obeso não pode ficar sozinho nesta caminhada. Precisa de alguém “fora”, o Terapeuta, para lhe dizer que tem capacidade interna (VIDA), de brigar com seus demônios (MORTE), e que está demonstrando poder superá-los. Isto é psicanalise, em português, não em psicanalês. Se o Terapeuta puder do alto do seu orgulho e sem neutralidade, contar uma vivencia sua, pode ajudar mais o paciente a não se sentir um monstro suicida e que por isso tem de comer mais em represália a si mesmo. O Terapeuta tem de ter paciência pelo paciente e com o paciente. (“superego mortal”). Não deve dizer que mude a dieta que faça isto ou aquilo.
Um dia fui ver uma paciente com duas internações por “alcoolismos”, em sua casa. Deparei-me com trinta latas de cerveja, enfileiradas. Sua fama de alcoolista era grande. Ninguém via sua depressão. Eu nunca falei, sobre o álcool, como se não me tocasse com o numero de latas de cerveja. Algum tempo depois, ela me deixou sozinha no seu quarto . Fui ver se latas estavam vazias. Não. Como eu, ela só toma o primeiro gole. Mas é chamada de alcoolista. Como, da mesma forma, me chamou e escreveu na minha ficha um cardiologista. Ele tinha e que tem um apelido horrível. Se eu não tivesse visto começaria a fazer o que todo mundo faz “não beba tanto”. Enfim, acho que tive uma sorte danada ao poder verificar que havia trinta latas de cerveja quase cheias. O que havia mesmo era depressão, e minha descoberta só me faz mostrar os muitos pontos positivos da paciente e com isto ela vai saindo de sua depressão crônica e começando a gostar de si mesma.
Voltando à obesidade tirei um dia (20 de janeiro) para assistir de manha à noite, televisão. Fiquei pasma com o numero de programas de “como fazer comida”. “como comprar panelas”. Enfim tudo relacionado à comida. Vi filmes com (americanos) obesos mórbidos sendo operados dizendo que tinham emagrecido 120 kg numa semana. Só não mostraram o depois, que a gente pode imaginar. Claro que morreram. Não vi um Psicoterapeuta ao lado do obeso ou do médico operador. Enfim coisas da vida. Se você entende sozinho, tudo bem e fica quieto de preferencia. Se não entende fará parte do grande curral chamado Terra e não sofrerá ao passar por uma caixa de “Bombom Garoto” (só pode ser “Garoto”, meu preferido. Me esqueci do vicio da Bolsa de Valores. E é claro o vicio de Televisão que é algo extremamente deprimente e onde o depressivo senta e engorda vendo e sabendo do mal estar alheio. Isto o satisfaz um pouco. E muitas religiões fazendo milagres fantásticos. E o Procon? Propaganda enganosa??
Hoje acordei e ouvi na televisão a noticia de que enfim, no Rio Grande do Sul começou a funcionar uma comunidade terapêutica rural ( ou entendi mal, na empolgação da noticia?), para tratar de drogados. Insisto, acredito se não for algo politico. Não posso acreditar no que vão fazer em S. Paulo com a “cracolândia”. Isto é que é jogar dinheiro na cueca de alguns !! Na verdade as pessoas politicas que bolam este tipo de “tratamento”, estão pensando em si, na futura eleição. Sabem tanto quanto eu que não vai funcionar. Tudo que diz respeito a vicio ou dependência tem que ser muito estudado e não ser feito em meses. Afinal não há para quem “bolou” este sistema de interesse por alguém for de si mesmo.
Vamos voltar à obesidade que nos trouxe aqui, você e eu, para discutirmos como não entrar nela e como sair dela.
Temos que discutir o que há de genético e o que há de social. As vezes a pessoa mesma tem de se virar e se tratar pois não herdou genes para engordar e sim genes para ser deprimida. Como o social entra nisto?
Em 1969 trabalhei na Biometria Médica do Estado da Guanabara. Um dia entrou na minha sala para pedir uma licença medica, um senhor magro. Limpo. Sentou à minha frente e disse “dra. Preciso me afastar de meu trabalho se não vou virar alcólatra. (naquela época a palavra era esta). Eu perguntei o que já estava na ficha, sua profissão. Ele respondeu “gari”. “ Então o senhor começou a beber quando?” “quando entrei no serviço (não me lembro o nome do lugar) mas agora é Comlurb), o meu chefe, um engenheiro me perguntou se eu bebia. Eu respondi que claro que não. Aí ele me disse – vai a partir de amanhã sim, você não aguenta o cheiro”. Eu, 29 anos, vinda da melhor clinica de pós-graduação do Brasil na época, custei a entender. Mas foi uma boa maneira de poder entender uma outra coisa, ele magérrimo me disse que não precisava comer pois a cachaça tirava a fome. Na época a OMS diz que no “Brasil , Cachaça era alimento”. Continua sendo. Afinal este senhor tinha “uma saúde mental” impressionante, ele entendeu que ele não queria morrer, ele queria trabalhar. Dei-lhe uma licença fora do habitual (3 meses) e pedi readaptação de serviço. Naquela época existiam estas coisas. Uns tempos depois passou lá para me ver, com peso normal (“agora já posso comer”), me agradecendo seu novo trabalho. Enfim, isto é para mostrar que sua vontade de viver era muito maior do que a de ficar doente com o uso da cachaça. Não era do tipo dependente. O dependente de drogas, sejam licitas ou ilícitas, pode ter crises psicóticas ou neuróticas. Tanto numa como na outra pode facilmente tentar ou conseguir se suicidar.
Quando alguém mata um outra pessoa, em surto, como anda acontecendo atualmente e que é muito raro, significa que o paciente mesmo estando drogado mostra a sua parte homicida que normalmente nós não temos, pois loucura é loucura, homicídio é uma coisa que pode vir junto mas é caso judicial. Normalmente os psicóticos não agem, mesmo que pensem eles dizem que “quero matar papai” (por exemplo), mas não matam ninguém, tudo fica nas palavras e no sentimento.
No caso dos dependentes de alimentos como na obesidade, o excesso de comida leva a pessoa a inúmeras doenças como hipertensão,..etc. as quais não existiam em sua
3 comentários:
Carmem, achei muito interessante. realmente as pessoas gordinhas são muito alegres e amáveis de maneira geral. e com aquela depressão por dentro...
Oi Carmem, acabei de ler o seu escrito,me faz lembrar uma música do Benito de Paula qdo canta ¨ninguem sabe a magoa que trago no peito, quem me vê sorrindo desse jeito nem se quer sabe da minha solidão...¨acredito que as pessoas deprimidas são solitárias na alma, há um buraco dentro delas,e que no seu dia a dia tentam preencher de alguma forma.A sua luta por matar um leão que se apresenta diariamente em sua vida com aquela boca enorme e cheia de dentes afiados lhe dá um desgaste emocional muitop grande e só mesmo com a ajuda de um profissional competente como vc pode ajuda-lo na sua sobre vivencia.
Excelente o texto. É preciso ter muita força de vontade para emagrecer!! Será que todos nós "gordinhas" somos depressivos? Hum...mas a nossa falta com nada é preenchido, ainda bem!!
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