1 - Supermercado I
Entro no supermercado e um homem
de quase dois metros de altura está passando por mim. Eu encosto nele por
acaso, com a cesta. Peço desculpas. Ele empomba e diz aos berros que eu devo
saber quem ele é, pois já trabalhou na Globo. Um preto lindo. E louco. Berro
com ele, supermercado cheio, Ipanema, fim de tarde, sol, domingo, todo o
subúrbio lá dentro. Tudo bem. Aponto-lhe o dedo e digo: "Não tenho medo de
macho e muito menos de louco. E tem mais: olha pro meu tamanho e vê se consegue
alguma coisa". O louco é louco, mas não é burro e pensa, porque o fiz
pensar, que sou maior que ele. Encolheu-se de medo. Mercado quieto, gerente sumido,
todo mundo quieto, pois de repente as pessoas "normais" viram que
estavam diante de dois loucos, não só um. O homem me segue nas compras e
continuo a ameaçá-los aos berros que vou voar no pescoço dele. Ele se afasta.
Faço minhas compras e me dirijo ao caixa dos velhos. Uma fila imensa de jovens.
E um velho esperando, esperando, esperando... Enfim, o que eu chamo de
brasileiro típico.
Berro para a senhora do caixa
perguntando se aquela é a fila dos velhos dizendo: "A única coisa boa que
consegui com a velhice é não entrar em filas longas de supermercado". A
fila se escora toda na parede. Olho para o fim e grito: tem um aleijado aí?
Não. Uma gestante? Não. Então vamos nós. A senhora do caixa diz baixinho:
"a senhora pode passar". E tinha O BRASILEIRO na minha frente que
estava mudo e quieto e se assustou quando eu mansamente lhe disse: "O
senhor está aqui há mais tempo, pode passar". Ele saiu correndo, foi para
o caixa, direto. Chega a minha vez. Peço desculpa à senhora do caixa (talvez 50
anos) e ela me pede desculpas por não ter tido coragem de mandar as pessoas
embora. Digo-lhe que ela, se fizesse o que fiz, perderia o emprego. Ela
consente e diz: "A senhora pensou no meu emprego?" "Claro,
pensei nisto. Eu não quero prejudicar ninguém." "Muito
obrigada", diz ela. E arruma com o maior carinho meus sacos de compras.
Saí dando gargalhadas comigo mesma. E vou tomar um táxi. Aproxima-se um garoto
que pensei ser de algum ponto de táxi e me diz: "A senhora quer um
táxi?" Digo que sim. Ele levanta uma flanelinha e sai. Berro: "Pode
parar que eu não sou aleijada! "Tenho horror de flanelinha”. Tenho que
andar várias quadras da rua para poder parar de rir com todos estes
acontecimentos. Diverti-me à beça. Adoro supermercados e o medo que as pessoas
têm dos loucos.
Moral da história: a loucura na
possibilidade de nosso entendimento pode ser muito engraçada. Só não o é por
falta de hospícios bons que os engraçadinhos que foram meus alunos acham não
devam existir e porque um italiano qualquer cujo nome não citarei] resolveu que
não havia necessidade de cuidar de loucos. As famílias é que têm de arcar com
os problemas da loucura. Para o câncer, há hospitais. Loucura? F#***! A MORAL É
IMORAL, INDECENTE E DECRÉPITA.