Volto ao supermercado na semana
seguinte. Este é pequeno e resolvi que neste dia eu ia enlouquecer alguém. Não
é sempre que se pode ser fina. Chega uma senhora e me diz:
— Hoje é meu aniversário.
— Parabéns. Seja muito feliz. Com
licença, tenho pressa para fazer minhas compras.
Sábado à tarde, calor cansaço.
Quero a minha cama e ver meu gato, que já deveria ter tomado vinte banhos. Eu
tenho um gato louco. É doido por banho. E daí, meu senhor? Qual é o problema?
Loucura é só para gente grande? Não, gato tem direito a ser louco como nós e
este, me tira da cama de hora em hora, à noite, para tomar banho. Eu é que sou
louca? Não sei.
Também não me dou ao trabalho de
saber se sou ou não. Sou feliz, digo o que preciso, faço o que quero. Pago
minha luz, compro anéis. Ninguém tem nada a ver com isto. Voltando: achou que
eu tenho fuga de ideias, né? É ruim, é... Tenho, não! Estou de volta já ao
supermercado onde a senhora aniversariante me seguiu e então pensei qual
Garfield: hoje vou enlouquecer alguém. E tirei uma hora da minha vida para,
sadicamente, enlouquecer duas pessoas. A senhora me aguarda e diz:
— Eu queria comemorar com um vinho
bom, o Chateauneuf du Pape.
— Ótimo, digo eu. Ela segue.
— Mas tem uma garrafa com o
rótulo dourado e uma com o rótulo prateado. A senhora conhece?
— Conheço. Quando eu era rica,
tomava só este vinho, agora tomo Miolo.
— A senhora já foi rica?
— Fui!
— O que aconteceu?
— Uma sócia me roubou.
— Credo!
— É isto acontece com pessoas
honestas.
— Mas vamos voltar ao vinho: a
senhora se lembra se tomava do rótulo dourado ou prateado?
— Não me lembro, faz muitos anos isto.
— Então vou chamar o enólogo da
casa. "Tá certo" penso eu. Imagine se uma filial tão pequena tem
enólogo de plantão! E para espanto meu, tinha.
— O senhor sabe qual é o melhor
dos dois, o dourado ou o prateado? — isto depois de contar toda a estória. O
enólogo.
— Os dois são iguais. Eu, de sacanagem digo.
— Mas os engarrafadores são
diferentes...
— Não tem problema, diz o
enólogo.
— Não sei meu senhor, digo eu. Eu
nasci num lugar de vinho, Garibaldi, o senhor conhece?
— Não.
— Carlos Barbosa, que tem um time
de futsal, já ouviu falar?
— Ah, conheço! Diz o enólogo.
— Pois bem, continuei: Eu, em criança,
amassava junto com os garotos a uva com os pés. Havia uma fantasia de que pé de
criança é limpo. É mentira. No interior, a gente andava descalço, portanto os
pés estavam sujos. Por isso falo do engarrafador. O enólogo queria me engolir.
Pensei que estava perfeito o meu dia. Estava enlouquecendo dois ao mesmo tempo.
— Acho que o engarrafador é
importante porque depois de amassarmos a uva (cá para nós, era só para uso da
casa, primeiro vinho, suco de uva, o enólogo não aprendeu isto, tem só mais ou
menos 30 anos e cara de urbano), ela ia para os tonéis num galpão ao qual todo
mundo tinha acesso. Volto-me para a senhora e digo então.
— Estou me lembrando... Se bem me
conheço, eu tomava o vinho de rótulo dourado. Sabe por quê? Eu não teria tomado
de rótulo prateado pois acho prata coisa de pobre. É, sim. Tenho quase certeza.
— Então vou levar o de rótulo
dourado.
— Isto mesmo, digo eu.
— Mas é mais caro, diz ela.
— Então viu, né? (o enólogo
queria me matar), se é mais caro é porque é melhor. Leve, sim.
— Vou pensar. R$ 126,00 é muito dinheiro para
arriscar.
— Bobagem, a senhora não vai
fazer 65 anos de novo. (isto é pura maldade, é?) E nem sabe se vai ter dinheiro
no ano que vem.
— É, nem sei se vou estar viva,
né?
— Isto aí. Senti-me mal com meu
sadismo, vou ser sincera. Vai ser FDP assim no inferno! O que diria o senhor
Freud vendo seus ensinamentos usados desta maneira! Volta a senhora e me diz.
— Eu vou sair para pensar melhor.
Saiu. Fui buscá-la. Eu consegui, ah ah ah! Mas não consegui deixá-la sair. Fui
atrás dela e lhe disse.
— Sabe de uma coisa? Se eu fosse
a senhora, comprava queijo francês A Sra. gosta dos queijos fedorentos?
— Gosto.
— Então compre R$ 100,00 reais de
queijo e um miolo. Pense só em si mesma, nos dias bons que já teve e noutros
que ainda virão, com certeza. Ela foi, pegou o Miolo e o queijo, me agradeceu,
teve muito prazer em me conhecer. E foi.
Um mês depois, o enólogo da casa
dá de cara comigo e diz.
— A senhora, hein!
Moral da História: Eu também sei
ser lacaniana, só que ajudo a pessoa a juntar seus cacos, antes de
abandoná-las.
Um comentário:
Carmem querida, uma delícia ler seus textos, sempre vivos, intensos e cheio de ensinamentos. Saiba que lamento que alguns de seus ex alunos tenham sucumbido a ideologias que na prática sabemos que são inócuas. Um bj e...tô na área!!!
Postar um comentário