Vim correndo ao Rio em 1968,
dezembro, no dia seguinte de minha pós-graduação em psiquiatria, na Clínica
Pinel – Porto Alegre, RS. A situação política para mim não estava boa por lá e
havia um professor de Psiquiatria, que teve que me dar a mais alta nota de
nossa turma que me chamava de “esquizofrênica crônica, sem cura”. Logo, eu não
teria pacientes em Porto Alegre. Vim para o Rio e caí do século XX da
psiquiatria para o século XVII onde ainda estamos pelo que vejo. Dei banho. Mas
o DOPS me acompanhou. Fui chamada para falar com o famoso Dr. Delegado do DOPS,
com quem acho que todas as pessoas inteligentes de minha geração carioca tiveram
que falar. Comigo foi só (?) tortura moral. Um amigo meu, já morto, foi tortura
pra valer. Eu tinha que ir toda a semana à Rua do Riachuelo para responder a
perguntas cretinas como:
Dr.: a Sra. pertence ao PCB?
Eu: nem sei o que isto. Sou
psiquiatra.
Dr.: quem morou no seu
apartamento antes da Sra.? (inacreditável!!!)
Eu: O Sr. devia perguntar ao dono
do apartamento. Eu não tenho a menor ideia. Acabo de chegar do Rio Grande.
Dr. : eu sei
Eu: O senhor me chamou por que?
Dr.: a Sra. roubou a Casa Dr. Eiras?
Eu: Como?
Dr. É, a Casa Dr. Eiras foi
assaltada (mentira, claro) e pergunto se foi a Sra.
Eu: Eu não eu faria isto iria
roubar um paciente?
Dr.: a Sra. trafica drogas?
(inacreditável!!! Nem tinha entrado na moda o trafico de drogas, meu Deus).
Bem, as perguntas eram deste
calibre, durante meses. Lá eu ficava calma. Alta, loira, jovem. Não me botou
nem o tradicional facho de luz na cara. Só me assustava com os guardinhas com
as metralhadoras de 2º Guerra Mundial. Eu passava por ele, bela e loura e pedia
gentilmente para virarem a arma pro outro lado, pois eu tinha medo de armas.
Ah. Ah. Quando pichava ruas no Rio Grande do Sul, nunca tive. Vá lá. Um dia ele
me convidou para ir vermos o Manicômio Judiciário que foi chefiado depois por
um amigo meu que admiro muito, um psicanalista. Disse-lhe que podíamos marcar
uma ida lá, sim, claro (com medo de lá ficar).
“Depois agente combina” disse eu.
Dr.: “E depois a gente pode
almoçar juntos”. (quem, pensei eu?) - Claro doutor. - Gostei muito de você, não
precisa me chamar de doutor.
De repente ouço um grito lá de
dentro um homem: “me soltem que sou fóbico”, repetidas vezes. -Isto foi uns
dias depois do “suicídio” do Wladimir Herzog, em S. Paulo, na cadeia. –
Doutor, já que vamos ser amigos,
quero ajuda-lo numa coisa, posso? -- Claro, minha filha. (penso, minha filha é
o cacete) - o Sr. está ouvindo este cara gritando? -Estou. - Pois é. Fóbico é o
tipo de paciente que mais se suicida. (há, há, há). Se eu fosse o senhor
soltava ele. O senhor. está vendo que o comandante do 2º Exercito está passando
não é? Como explicar um suicídio na cadeia? - Meu Deus, isto é verdade? - Com
certeza. Solta o rapaz. Foi o que ele fez pelo que me contou na semana seguinte
quando me deu seu cartão de visitas, em agradecimento pela sugestão. - “Qualquer
coisa me telefona”. - Obrigada. Ponho na carteira o cartão. Nunca mais me
chamou. Em compensação, esta é outra história, um dia, um policial me segurou
no transito, não me lembro porque ou melhor lembro mas como disse é outra
história. “tirei o cartão do delegado e mostrei. - o senhor conhece esse
delegado ? Tempos horríveis, quem não conhecia? “claro, claro”. Digo-lhe – “sou
amante dele”. - “Pode ir embora madame, me desculpa”. Lá fui no meu Karmann
Ghia azul. Mal sabia que o delegado já tinha colocado um tal de Ronaldo no meu
pé. Um “estudante” de “Psicologia da Puc”. Safado, elemento da Cia. Esta é
outra estória engraçada.
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