Estou no sábado pegando dinheiro
no banco do brasil. Olho ao meu lado e está um senhor sentado, pálido. Paro tudo e pergunto-lhe se está se sentindo
mal. Diz que sim. Que gostaria de vomitar. Graças a não sei quem, o BB colocou
finalmente uma lixeira, queixa minha antiga, na minha agencia. Enfim, pego a
lixeira e ele só não vomita a alma. Comento com ele a quantidade de comida. Ele
me diz que foi o Café da manhã. Uns dois quilos. Para mim é o café da manhã de
um mês. O “velhinho”, como eu, é magro. Pergunto se está melhor e se está
sentindo uma dor no peito. Ele me diz que não consegue respirar bem. Não sente
dor. Pede para deitar no chão. O menino que está no BB me segue. Apareceu
aquele suor frio, batimento cardíaco não se pegava mais. Peço para o menino me
ajudar a ressuscitá-lo, pois velha, tenho pouca força na mão. Ressuscita.
“O senhor tem telefone de sua
família ou amigos?” Diz: “Não. E não adianta me levar para casa, pois não tem
ninguém lá”. “E sua mulher?” “Está na missa” Precavida, penso eu. Passados dez
minutos e o Samu chamado pelo garoto do Banco do Brasil. Pergunto se ele tem
plano de saúde. Junta um monte de transeuntes, mulheres, pois o banco tem vidro
para o lado da rua. E quem passa olha a cena e entra. Aí dei uma geral. O SAMU
quer o Plano de Saúde. Vasculhamos seus bolsos. Ele tem dinheiro, o Ourocard e
uma carteira de Marinha. Danou-se. SAMU diz então – “Tem que ser levado para o
Marcilio Dias”. Você está no Jardim de Alá, Zona Sul, com uma pessoa morrendo e
o Samu quer que se vá ao Marcilio Dias. Você sabe onde é o Marcílio Dias? -
“Não.” - “Nem eu”. É um Hospital de Marinha, no outro lado do mundo. Enquanto
isto eu e o menino ressuscitamos (por quatro vezes), o senhor. Ele falava
comigo. Já tinha umas dez mulheres ao meu redor. Dei um berro, “saiam que ele
precisa respirar e já é casado”. Como vomitou peço a uma cabelereira vizinha se
pode me trazer água. Ela traz. Entra então (meia bunda na porta) uma senhora e
me grita. “Ele não pode tomar água”. Eu digo: “eu sei, sou médica”. Ela: “e eu
sou dentista”. Eu: “A senhora quer ver os dentes dele ou quer ajudar?” Ela: “meu
marido é médico” Eu: “ótimo”. Chame-o para vir ajudar.
O paciente deitado. Peço para um
homem parrudo do carro entregador de dinheiro para fazer uma ressuscitação
melhor. Já disse, sou velha, sem força. Resposta: “sou do carro forte e tenho
que cuidar do dinheiro”. Eu mereço ouvir isto. Peço ao menino fazer outra força
e o homem continua falando. Uma mocinha berra que também é médica. Como os
pacientes são “casos” para alguns colegas meus e eu que estava esperando o SAMU
há quarenta minutos e tinha que trabalhar e NÃO PODIA nem eu nem ninguém
leva-lo ao Miguel Couto, resolvi passar o “caso para a colega”. Passei e fui
embora. Assisti da janela da casa onde fui ver outro paciente, quando o Samu
chegou. Exatamente 60 minutos depois. Não há enfartão que aguente. Falei com o
menino do BB que se por acaso não morresse, pela falta de oxigênio, ele viria
“chamar urubu de meu louro” . E falei alto: “que morte bonita”. Grita uma
mulher gordinha. “Como uma médica fala em morte?” Respondo: “é a que eu queria
para mim, só que na minha cama e não no meio de dinheiro e gente estranha”.
Ela: “que absurdo uma médica falar em morte”. Digo: “ A sra. queria que eu
falasse em dentes?” “ A dentista já foi embora”. “A sra. quer morrer de
câncer?” Saia de perto, ele tem de respirar, se é que ainda precisa. “como?, tá
me botando um câncer?” Eu me assustei. Havia mais de dez mulheres, um perigo,
mais de uma é um motim. Achei melhor tirar meu time de campo. Triste, morrer
num banco, no chão, cercado de histéricas. O Samu já estaria chegando e já não
era necessária, deixei o caso para a colega. Fui embora. Lembrei do Lula que
diz que a gente tem que se tratar no SUS. Não sei porque ele não fez isto mas
teria sido melhor, pois um dias depois vi no jornal o convite do 7º dia do
enterro do dito senhor. Só queria dizer à esposa dele que ele já deve ter
chegado morto no Miguel Couto mas a morte dele deve ter sido boa, cercado de
mulheres e de cuidado. Lembre-se não saia para a rua sem o numero de telefone
de quem pode ser chamado para não morrer no meio de estranhos e no chão. Deve
ser chato. PS: a “colega”, não tomou conta do “caso” quando sai. Que feio,
mocinha orgulhosa, pode acontecer com seu pai. Falando em SUS, o meu querido
Dr. Jatene que enfartou, que sorte, dentro de um hospital, e não no Banco do
Brasil, é um abençoado. Tomara que seja Ministro da Saúde de novo.
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