quinta-feira, 14 de junho de 2012

O IPM ou PRIMEIRO DE ABRIL


Em abril de 1964, cursava eu o quinto ano da faculdade medicina da UFRGS-POA, trabalhava na clínica Pinel à noite como auxiliar psiquiátrica, que hoje sei ser o trabalho mais difícil dentro da psiquiatria e psicanálise. Mesmo assim, tinha tempo de ser filiada ao PCB. Até fui secretária na FEURGS, Federação dos estudantes da URGS, do Marco Aurélio Garcia, que veio a trabalhar com Lula e agora sumiu. Ele era da AP (ação popular).
Bem, fazia eu parte da "célula" do partido da UFRGS, éramos um grupo de amigos de várias faculdades. De vez em quando, havia cursos, até com o Leandro Konder. Gente fina. Havia treinamentos, eu exercia no quadro a função de Agit-Prop, isto é o seguinte: os americanos estão usando muito essa função no oriente. Largam um cara orientado pela CIA para fazer "movimento" onde haja alguma rusga. Eu faço isso até hoje no Banco onde tiro dinheiro, com meus colegas velhos. Muito divertido.
Bem, como se faz: Por exemplo, um cara ou dois se revoltam com o preço das Barcas, daí estou eu fina e bela no meio, armo o maior barraco, junto um monte de gente e saio fina e bela falando baixinho, bancando a chique que não gosta de turbulência. Depois, saio de taxi, dando gargalhadas. É bom para o fígado. Os americanos da CIA estão fazendo isso em todo oriente para mudar os títeres de suas colônias petrolíferas.
Voltando a abril de 1964. Recebo um carta do exército me convocando para um IPM (inquérito policial militar), tal dia e tal hora, com 3 Generais e 3 professores, em alguma sala da Faculdade de Medicina. Havia a possibilidade de expulsão. Havia dedos duro na Faculdade e no grupo de análise. Foi muito chato. Cheguei linda, bela, alta e loira na hora marcada. Estavam os "heróis" sentados quando entrei na sala. A sétima cadeira na ponta da mesa estava me esperando.
EU- Bom dia Senhores. Recebi uma carta.
GENERAL 1-Pode sentar aí na minha frente (na outra ponta da mesa). Os Professores me olharam com pena, gostavam de mim. Sentei e disse: Bem General, estou à sua disposição.
 GENERAL 2- Há uma série de acusações contra a Senhora...
EU- Sim, General...
GENERAL 1- A Senhora participou de uma reunião com o Amaral. (O Amaral era meu amigo e era do grupo)
EU- General, eu fui ao meu Dentista que trabalha em uma sala ao lado da casa do Amaral. O Senhor tem razão, devo ter sido vista por lá.
GENERAL 3- A Senhora tem sido vista em companhia do K (amigo meu conhecido como comunista e que agora virou a casaca).
EU- Com certeza General, eu saio com todos os meus colegas, o Senhor não deve saber, mas aqui na faculdade são mais de 550 homens e 50 mulheres. Os meninos me adoram. Vou até para o meio da Rua da Praia com eles, eu saio até com o fulano (quem me dedurou).
GENERAL 3- Mas a Senhora foi vista, numa sala onde o Leandro Konder dava um curso, à noite.
EU- Quem é este Senhor? Curso de que? Não conheço. (Cá entre nós, os Generais sabiam da vida de todo mundo desde que entramos na faculdade, o SNI nasceu bem antes do que a gente imagina).
GENERAL3-Leandro Konder é um comunista.
EU- Ah, bem. Mas o que faria eu num curso de Comunismo, me parece que isto é Filosofia. Eu trabalho com loucos, General, a noite toda, todas as noites. Eu pago meus livros.
GENERAL 1- Aliás, a Senhora foi vista na Livraria Vitória, na Praça da Alfândega, que é onde os comunistas compra livros. Sabiam de tudo!! Os professore sérios. A Livraria deve existir até hoje, especializada em Marxismo e Leninismo.
EU- Fui sim, tinha lá um livro muito bom de Medicina Chinesa, comprei. Se quiser lhe conto, o que fazem lá na China com os loucos. Plantou arroz vai comer, não plantou, não come. Louco ou não, dane-se. (ele riu). Achei-os duros, mas acho que eles tem uma certa razão. No Hospício onde trabalho, tem terapia ocupacional, sem trabalho, ninguém se cura de loucura. Começaram a bufar. Realmente como se aprende coisas em Hospício bom.
GENERAL 1- (de saco cheio) E a Senhora foi vista no bonde com um jornal do Partido Comunista de baixo do braço.
EU-É possível, eu leio tudo. Noite passada, eu li todo Jubiabá, do Jorge Amado...
GENERAL 2- COMO??? Outro comunista?
EU- O Jorge Amado é comunista? Não sabia, gosto muito dele e do Graciliano Ramos também.
GENERAL 1- OUTRO COMUNISTA??
EU- Meu Senhor, o que posso lhe dizer? Leio Mário Quintana, Gogol, tudo o que cair na minha mão. Passo a noite acordada e só o Correio do Povo não dá, é muito ruim. Até leio os romances franceses, russos, para não dormir. Agora o Senhor me diz que os brasileiros que leio são comunistas? A Cachorra Baleia também? Me desculpe general, mas estamos aqui há horas e o Senhor ainda não me disse do que estou sendo acusada (eu ria por dentro, pois sabia onde pegá-los). Aquela clínica Pinel era ótima mesmo, pois lá me ensinaram psiquiatria, psicanálise e como lidar com os verdadeiros perseguidores de fora. Silêncio.
GENERAL 3- A Senhora é acusada de tentar derrubar o Governo João Goulart.
EU- Agora eu estou aliviada, General. Eu estava almoçando na reitoria com meu amigo Sul Brasil (era chamado assim), no dia primeiro de abril, quando um colega chegou... Daí, o general se levantou da cadeira e aos berros, batendo na mesa dizia: Não é primeiro de abril é 31 de março!!!
EU (calmamente)- General, o que aconteceu afinal?
GENERAL 3- Foi 31 de março, derrubamos o Governo João Goulart. Estava furioso, sentou. E eu pensando, " Viva o DR Freud".
EU- Geneeeeraalllll, o Senhor está me atribuindo a culpa de um ato que o Senhor e seus amigos cometeram? Não estou entendendo nada. Aliás, não entendo nada de política, mas o Senhor me assustou e me acusou de algo que o Senhor e seus amigos fizeram. Não é justo. (ria por dentro, pois sabia que o calo era o dia primeiro de abril).
GENERAL 1- A Senhora pode ir embora!!
EU- Então, estou livre?
GENERAL 1- Sim, está. (Levantei e saí da sala). PS: Sul Brasil- Nós estávamos mesmo almoçando na Reitoria no dia primeiro de abril de 1964, quando alguém do PCB chegou aos berros dizendo que: Nós tínhamos dado um golpe. Depois, ficamos muito frustrados com a real notícia de que os militares é que tinham dado o Golpe, sob o nome de Revolução Redentora. A gente tinha trabalhado, batalhado e estudado muito com Leandro Konder. A partir daí, é outra história, já que aqui no Rio para onde fugi, ELES me encontraram. Bem, são outras várias histórias, que aos

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