domingo, 24 de junho de 2012

VENEZA - 1971


Outros carnavais. Outras vidas. Dava para ir à Europa todos os anos. Ir a Paris, comer pizza na subida de Champs Elisée, perto da Torre Eiffel e comer a melhor pizza do mundo (no meu entender), e subir mais um pouco, sentar ao sol e tomar o bom vinho nacional Chateau-Neuf-du Pape. O problema eram os franceses com seu mau humor. Os italianos com sua pose de país rico e nos chamando de sottosvellupatto. (subdesenvolvidos). Arrogância geral naquele continente velho e sugador. Nós, do “tiers monde”, como nos chamam os franceses, pagávamos bem. É bom ver as coisas acontecendo. Não é revanchismo, não. Simplesmente uma questão de honra continental.
Primeiro, eles nem sabiam e talvez nem saibam ainda onde é o Brasil, capital Buenos Aires.
Segundo, com seu espírito colonizador, maltratam os subdesenvolvidos achando que a gente não sabe a língua deles. Poveretti, pauvres, poors. A gente sabe, sim, apesar deles. Depois do que vou contar o que me aconteceu em Veneza em 1971, vão entender porque não voltei à terra dos meus ancestrais. Me dá nojo. Tenho muitos primos lá. Alguns até milionários e com brasão, que acham que a gente vai procurá-los para “pedir dinheiro emprestado”. “Ora, ora!” Veneza – 1971 - ao passear, vejo uma loja inteira de queijos. De todos os tipos. Sou louca por queijo. No dialeto vêneto que eu falo, que é formaggio. O nome da loja – FORMAGGIO. Depois do almoço, eles descansavam na hora do almoço, isto é, de 12hs às 16 hs. Não sei se ainda fazem isto, pois acho que nem almoço eles tem. Eles são superiores. Tem a Fiat. A Ferrari. E daí? Só acho bonito o Schumacher dentro de uma Ferrari, a Ferrari eu dispenso, (que mentira!).
Como ia dizendo, vejo a loja e entro. Mil queijos na loja. - Bom giorno. - Bom giorno signorina. - Io volio formaggio. -...seuzzi signorina, não capisco. Riu (acho que pensa que é o Rossano Brassi conquistando Catherine? Uma artista solteirona americana). Não acho a mínima graça. Já vi este filme. Ele pensa que sou gringa do Norte e isto é o pior nome de que podem me chamar. Ele espera que eu diga “cheese”. Enquanto ele espera eu penso em que maldade posso fazer de volta por ser tachada de burra e norte-americana. Isto para mim é além de minha capacidade de suportar. E se como amiga eu sou apenas quase razoável, como inimiga, SOU PERFEITA.
Guerra é guerra. E isto que este fascista quer, vamos lá. - Signore, aponto o queijo que é a única coisa que ele tem naquela loja para vender, além da alma que provavelmente ele não tem e se tivesse venderia por 500 liras. Miseráveis italianos. Porque o simum ou o siroco não os leva todos, junto com os franceses para o Ártico? Para que servem estes ventos que vem do Saara? No Ártico eles todos se dariam bem com aqueles lindos bichinhos brancos (2m altura), chamados ursos. Carnívoros, claro! E deixavam as obras de arte para a gente ver, estes gigolôs do medievo em italiano a expressão é mais forte (prosseneta del cincoecento), que se pronuncia prossenta de chincoechento) Eles não esperam que haja inteligência fora da Europa. Voltando ao queijo. Isto tudo foi pensado em um milionésimo de segundo. O fascista não me conhece. Digo-lhe então em francês. - Fromage, signore, apontando. Claro, uma forma de queijo. - No capisco il franchese, signora. Filho da puta, se gozar apanha, pois agora vou dizer o que ele quer ouvir. - Cheese, signore... - Ah! Formaggio!!!!!!!!!!! Tá legal. Se gozar te furo o saco. O 1º round ele ganhou por “nocaute”, pensa ele. Eu, não, estou botando bala no canhão. Põe um queijo inteiro do que eu pedi no balcão. Aí de sacanagem pensava e sem remorso, pedindo desculpas internas a um tio meu que era queijeiro, fiz um quadrado, que seria a parte que eu iria levar. Restou uma peça, engraçadíssima, imaginem tirar um quadrado de uma esfera. Eu ria por dentro me lembrando do ginasial. Eu me perguntava, será isto um obtusângulo? É que nunca aprendia estes ângulos, mas no caso tinha a ver o obtuso, o italiano “esperto”, que falava inglês e o ângulo que se formou que eu não conhecia. Vivendo e aprendendo. - botou o pedaço na balança. (provavelmente achando que iria me cravar em dólares, meu deus, como gostam de dólar!) e me disse “quatrocento grammi” signorina (quatrocentos gramas). - Gracie tanto signore, ma ho cambiato d’idea. (obrigado mas mudei de ideia) e saí porta a fora. O homem pulou o balcão e me seguiu uma quadra aos berros, eu em cima de um sapato amarelo, comprado em Veneza mesmo, de 18 cm, andava calmamente e mostrava como boa americana o dedo médio. Ele só não me xingou de bonita. Eu virava e ria naquelas estreitas ruelas de Veneza. O sapato existe até hoje. A lembrança também. Como é bom viajar. E rir para o resto da vida. Na verdade eu agora prefiro não saber a língua. É cansativo brigar. AGUARDEM NOVOS CONTOS DE VIAGENS.

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