domingo, 13 de maio de 2012

Vivências - Supermercado II


Volto ao supermercado na semana seguinte. Este é pequeno e resolvi que neste dia eu ia enlouquecer alguém. Não é sempre que se pode ser fina. Chega uma senhora e me diz:

— Hoje é meu aniversário.

— Parabéns. Seja muito feliz. Com licença, tenho pressa para fazer minhas compras.

Sábado à tarde, calor cansaço. Quero a minha cama e ver meu gato, que já deveria ter tomado vinte banhos. Eu tenho um gato louco. É doido por banho. E daí, meu senhor? Qual é o problema? Loucura é só para gente grande? Não, gato tem direito a ser louco como nós e este, me tira da cama de hora em hora, à noite, para tomar banho. Eu é que sou louca? Não sei.

Também não me dou ao trabalho de saber se sou ou não. Sou feliz, digo o que preciso, faço o que quero. Pago minha luz, compro anéis. Ninguém tem nada a ver com isto. Voltando: achou que eu tenho fuga de ideias, né? É ruim, é... Tenho, não! Estou de volta já ao supermercado onde a senhora aniversariante me seguiu e então pensei qual Garfield: hoje vou enlouquecer alguém. E tirei uma hora da minha vida para, sadicamente, enlouquecer duas pessoas. A senhora me aguarda e diz:

— Eu queria comemorar com um vinho bom, o Chateauneuf du Pape.

— Ótimo, digo eu. Ela segue.

— Mas tem uma garrafa com o rótulo dourado e uma com o rótulo prateado. A senhora conhece?

— Conheço. Quando eu era rica, tomava só este vinho, agora tomo Miolo.

— A senhora já foi rica?

— Fui!

— O que aconteceu?

— Uma sócia me roubou.

— Credo!

— É isto acontece com pessoas honestas.

— Mas vamos voltar ao vinho: a senhora se lembra se tomava do rótulo dourado ou prateado?

 — Não me lembro, faz muitos anos isto.

— Então vou chamar o enólogo da casa. "Tá certo" penso eu. Imagine se uma filial tão pequena tem enólogo de plantão! E para espanto meu, tinha.

— O senhor sabe qual é o melhor dos dois, o dourado ou o prateado? — isto depois de contar toda a estória. O enólogo.

— Os dois são iguais. Eu, de sacanagem digo.

— Mas os engarrafadores são diferentes...

— Não tem problema, diz o enólogo.

— Não sei meu senhor, digo eu. Eu nasci num lugar de vinho, Garibaldi, o senhor conhece?

— Não.

— Carlos Barbosa, que tem um time de futsal, já ouviu falar?

— Ah, conheço! Diz o enólogo.

— Pois bem, continuei: Eu, em criança, amassava junto com os garotos a uva com os pés. Havia uma fantasia de que pé de criança é limpo. É mentira. No interior, a gente andava descalço, portanto os pés estavam sujos. Por isso falo do engarrafador. O enólogo queria me engolir. Pensei que estava perfeito o meu dia. Estava enlouquecendo dois ao mesmo tempo.

— Acho que o engarrafador é importante porque depois de amassarmos a uva (cá para nós, era só para uso da casa, primeiro vinho, suco de uva, o enólogo não aprendeu isto, tem só mais ou menos 30 anos e cara de urbano), ela ia para os tonéis num galpão ao qual todo mundo tinha acesso. Volto-me para a senhora e digo então.

— Estou me lembrando... Se bem me conheço, eu tomava o vinho de rótulo dourado. Sabe por quê? Eu não teria tomado de rótulo prateado pois acho prata coisa de pobre. É, sim. Tenho quase certeza.

— Então vou levar o de rótulo dourado.

— Isto mesmo, digo eu.

— Mas é mais caro, diz ela.

— Então viu, né? (o enólogo queria me matar), se é mais caro é porque é melhor. Leve, sim.

 — Vou pensar. R$ 126,00 é muito dinheiro para arriscar.

— Bobagem, a senhora não vai fazer 65 anos de novo. (isto é pura maldade, é?) E nem sabe se vai ter dinheiro no ano que vem.

— É, nem sei se vou estar viva, né?

— Isto aí. Senti-me mal com meu sadismo, vou ser sincera. Vai ser FDP assim no inferno! O que diria o senhor Freud vendo seus ensinamentos usados desta maneira! Volta a senhora e me diz.

— Eu vou sair para pensar melhor. Saiu. Fui buscá-la. Eu consegui, ah ah ah! Mas não consegui deixá-la sair. Fui atrás dela e lhe disse.

— Sabe de uma coisa? Se eu fosse a senhora, comprava queijo francês A Sra. gosta dos queijos fedorentos?

— Gosto.

— Então compre R$ 100,00 reais de queijo e um miolo. Pense só em si mesma, nos dias bons que já teve e noutros que ainda virão, com certeza. Ela foi, pegou o Miolo e o queijo, me agradeceu, teve muito prazer em me conhecer. E foi.

Um mês depois, o enólogo da casa dá de cara comigo e diz.

— A senhora, hein!

Moral da História: Eu também sei ser lacaniana, só que ajudo a pessoa a juntar seus cacos, antes de abandoná-las.

Um comentário:

Marcio Astrachan disse...

Carmem querida, uma delícia ler seus textos, sempre vivos, intensos e cheio de ensinamentos. Saiba que lamento que alguns de seus ex alunos tenham sucumbido a ideologias que na prática sabemos que são inócuas. Um bj e...tô na área!!!